Daquilo que se propaga no vácuo.
Não tenho muito outro assunto que não as saudades. Eu não sou viciada em melancolia. Tampouco sou dessas pessoas adictas do choro diário, da tristeza pra encher a alma. Não tenho a sensibilidade dos poetas que vivem dos sentimentos afogados. Não preciso suprir nenhum vazio com sentimentos quaisquer. Mas caminha comigo um vácuo no peito que engole o coração, esvazia o pulmão e sobe até as fossas nazais. Um vácuo tão grande e intenso que faz o ar não entrar, expulsa as lágrimas dos olhos e o sangue das maçãs do rosto. E fico assim, atônita, imóvel e pálida.
Estou imune aos sons da cidade, às músicas das noites, aos sorrisos estranhos e à simpatia gratuita e alheia. Não percebo os sentidos de qualquer conversa jogada fora com um ilustre desconhecido a quem chamamos de amigo exatamente pela falta deles. Esses sons aparentemente não reverberam em meu vácuo.
Meu vácuo se alimenta de memórias. Lembranças daquelas conversas que se tem com os olhos, sem necessidade de nenhuma palavra. Lembrança da sensação de estar seguro só pela presença de um outro. Da maneira com que um abraço pode apaziguar uma alma inteira de aflições. Da forma como soa em minha cabeça um apelido qualquer desses que só existem entre nós dois, quem quer que seja o segundo. De poder falar sem nexo e fazer sentido. Da certeza de que antes de pensar em cair já haveriam doze braços diferentes esperando pra me segurar. De admirar por horas o nada e na troca de três palavras fazer o nada virar tudo. Das intermináveis discussões que ninguém se lembra no dia seguinte. Das voltas em Original embriaguez. Dos sonhos partilhados, realizados ou não. Das nossas diferenças e das nossas igualdades. Da nossa maneira similar e distinta de ver o mundo. Das risadas. O som diferente de cada uma das suas risadas. Os motivos infames de todas elas.
Os ruídos dessas memórias são a única coisa que reverberam nesse vácuo. Incrível a fonte de minha tristeza ser a fonte de minha felicidade. Paradoxo. Como somos nós. Porque meu vácuo nasce das saudades que sinto dos irmãos que escolhi com a alma. E se enche e deixa de ser vácuo em cada pensamento que me leva pro seu lado. E o mundo todo só faz sentido se puder carregar comigo na mochila a certeza de que posso, mesmo de longe, dividi-lo com vocês.
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- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa..."
2 comentários:
Maravilhosamente Tati!!!!!!!
faz falta. e faz meeeeeeeeesmo.
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