26 dezembro 2006

Para sobreviver ao frio (especialmente no Natal)


Eu não sou muito dada às listas ou às famosas "7 dicas para o seu ano novo", "10 coisas que não se deve fazer no primeiro encontro", "15 maneiras de enlouquecer um homem na cama" mas hoje resolvi fazer minha lista, que acho menos divertida mas definitivamente útil. E não não é a lista de promessas pro Ano Novo é o "guia útil de como sobreviver ao frio, especialmente no Natal". Então vamos lá:

1 - Mude o seus conceitos. Einstein tinha razão e tudo é relativo. Se você é brasileiro como eu entenda, Natal pode ser frio e poderá ser passado longe da praia (bem como o ano novo). A relatividade? Aquilo que você conhece como frio não é frio é ameno. Aquilo que você conhece como calor, não é calor, é exagero. Aquilo que você conhece como vento é brisa. Você só vai entender o novo conceito de frio quando, como eu, começar a achar que um dia que fez 8 graus no horário mais quente foi um dia "más calientito" no inverno.

2 - Seja cara de pau. Entenda, morando há um mês e meio em um lugar estranho com todas as poucas pessoas que conheceu tendo ido viajar, institua a cara de pau e vá em frente. Ligue para o primo do amigo do vizinho, chame de família, organize a ceia de Natal na casa de um deles, diga Feliz Natal como se fosse a um irmão e seja feliz. Esse conselho também é útil para futuras viagens e praqueles dias em que você quer sair mas nenhum amigo amigo quer. Nessas acabei fazendo uma amiga argentina (amigo argentino não é contraditório em si mesmo? rs)

3 - Invente uma nova tradição ou se degole. Claro que Natal é Natal, ceia da mãe é ceia da mãe e família é família. Mas se conforme, isso não vai acontecer. Então invente (ou ganhe) sua nova tradição. Eu tenho 2 novas: agora sempre faço os doces de sobremesa do Natal e aderi a uma tradição argentina de apagar velas a meia noite fazendo um pedido. Achei lindo e me senti em casa.

4 - Seja criativo. Nem tudo foi feito só para um fim. Assim, quando na rua faz -3º e dentro da sua casa deve estar a 0º a sua cama se torna o melhor lugar do mundo (já não era antes?), mas ela está gelada. Agarre o secador de cabelo ou o ferro de passar e esquente sua própria cama, fica mais fácil deixar que os cobertores tenham sua função depois disso.

5 - Entenda, você nunca mais vai achar a tecnologia um negócio frio. O skype e a webcam serão seus novos amigos para esquentar a alma e você vai, como no bigbrother, se emocionar e gritar "aaaaaaaaaaaaaaaa minha mãe" quando todo mundo estiver na frente da camera te mandando beijos de Feliz Natal.

6 - Amigo é foda. Então você vai passar muito do seu tempo pensando neles e torcendo por e-mails telefonemas, recadinhos no orkut, passadelas no blog (reiterando o ponto sobre a tecnologia). Com sorte você fala com alguns deles no msn no dia de natal, com muita sorte alguns te ligam e fazem o seu dia! Mas sempre vão estar por perto pelo menos na memória. O que faz o próximo tópico.

7 - Memória seu melhor amigo e pior inimigo. O negócio é lembrar feliz dos momentos por aí e não melancólica (que pra mim que sou uma boluda é meio difícil). Sem muito mais a dizer sobre isso.

8 - Exercício físico é desnecessário no inverno. Principalmente se no seu país novo o metrô é grande e cheio de escadas. Eu atualmente carrego meu peso em roupas sobre o meu corpo, ando umas 30 quadras diárias pra ir de um lugar a outro e vivo tremendo. Essa coisa de acordar cedo no inverno pra correr é uma falácia, desnecessária ainda.

9 - Eu estou começando a entender porque franceses não tomam banho. Porque tirar a roupa é um ato de coragem e sentir aquele friozinho que dá depois banho não é legal no inverno. Você vai perguntar, mas sexo eles fazem né? Sem muitos comentários, você deve estar com problemas pra comparar sexo a banho. Observação importante: eu não aderi ao hábito de não tomar banho, só disse que começo a entender os porquês.

10 - In vino veritas. Fique feliz, o frio do inverno e o preço da coca-cola na Espanha acabaram de te dar o melhor motivo do mundo pra tomar vinho em todas as refeições. Aproveite! Por outro lado, essa história de sair pra tomar uma breja virou lenda, você sai pra um café, pra um chocolate quente ou pra um vinho, breja gelada no inverno é quase suicídio.

11 - Devem ter mais um zilhão de dicas, mas esta é importante. Lembre-se que quem resolveu estar longe foi você então o frio é problema seu. Se eduque pra achar saudades uma coisa quente como você se educa pra achar 8º um dia quente. Os amigos que você faz na cara de pau aos poucos se tornam amigos de fato. Você conhece coisas em você que estavam muito bem esconidas, porque você nunca tinha visto antes. Você redescobre alguns sentidos de solidariedade. Solidifica seus sentimentos e relações com quem fica. Se sente amado por inércia e aos poucos o inverno vai passando.

Sim eu acordei de bom humor. Sim esse é meu jeito de desejar Felizes Festas a todos. Sim esse texto acaba agora!

*Imagem: foto do parque do retiro no dia 24/12/06

18 dezembro 2006

Os meus não dias (ou texto da não inspiração)

Levantei. Há tempos não levantava desse jeito. Nesses dias sou detalhista. Percebo que levanto todos os dias colocando o mesmo pé pra fora dos lençóis. Estou com o mesmo não pijama, o mesmo moleton velho e desajeitado desfigurando meu corpo. Olho no espelho e vejo os mesmos olhos verdes baixo a uma sombrancelha desarranjada e bochechas vermelhas pelo contato com o travesseiro. Os fios de cabelo parecem estar fora do lugar exatamente como ontem de manhã, um deles sempre está emaranhado nas tais sombrancelhas, atrapalhando minha visão e a ponta irritantemente encostando na ponta de meu nariz alérgico. Assim mesmo, igual.
Nesses dias o dia é longo e a vida curta. Saio pra rua com a certeza de que qualquer tentativa de qualquer atividade será inválida e inútil. E é. Não consigo fazer nem as coisas mais banais e no meio da devolução da compra do supermercado que já deu errado tenho crises de desespero pelo número de pessoas iguais em minha volta e volto correndo pra casa deixando o carrinho e as compras no meio do supermercado. Me parece óbvio que volto pelo mesmo caminho da mesma calçada de mesmas lojas.
Minha cama está igual e me deito com vontade de dormir e acordar de novo pra ver se dessa vez o mundo mudou. Esperança tola e vã, vocês bem sabem. Acordo com preguiça. Preguiça do mundo. Preguiça das gentes do mundo. Acordo com preguiça de ser. Que é o pior tipo de preguiça porque contra a existência só há um remédio, que custa muito para tomar por um dia. Enfim acordo com preguiça de ser . E como não ser é impossível (porque qualquer negativa depende de sua afirmativa pra existir) tento ficar em clausura, me lembrando que em clausura eu existo só pra mim e não sou pra muita gente.
Durmo e acordo. Parece que hoje é domingo. E o sentimento que costuma se esvair na manhã seguinte não foi. Então hoje ainda parece sábado. E sábado foi um não dia de alguém que não foi. Resolvo continuar não sendo em meu quarto. E aqui fico, deixando de existir pro mundo e buscando uma única pílula vermelha que seja de não realidade. Porque nesses dias me lembro que o mundo não é mais surpreendente, que qualquer coisa passa por mim como passaram as outras e que encher os olhos não é encher a alma. Não adianta sair de casa porque a melancolia dos não dias transforma tudo em não lugares, não pessoas, não sensações, não sentimentos. Esforço a memória e me lembro que o mundo só me encanta quando o vejo sem os óculos das gentes. Tento tirar os meus, mas em dias de preguiça do mundo, não há lente que saia de perto dos meus olhos. E vejo o mundo como as gentes e pronto.Ou as não gentes, ou o não mundo...
Então me deito de novo, na certeza dos otimistas tolos que amanhã acordo sem óculos e o mundo acorda com graça. Acordo sem preguiça de você e quem sabe até sem preguiça de mim.

15 dezembro 2006

Sobre o Blog

Estava mantendo dois blogs... esse para refexões do dia a dia e outro com textos jogados de qualquer coisa que me viesse na cabeça. Desisti e resolvi fazer tudo nesse blog. Então não estranhem se surgirem uns textos que não dá pra entender bem de onde vêm ou pra onde vão, normalmente eu també não sei.

Alívio

Sinto falta de suspiros.
Não quero suspiros românticos de adolescentes sonhadores.
Quero um suspiro tropego. Tremulo.

Quero um suspiro que doa pra sair.
Que esvazie o pulmão até que se junte as paredes, comprima os alvéolos
e o ar não possa mais passar nem pra entrar nem pra sair.

Um suspiro que me pressione o coração
até que átrios e ventrículos se confundam entre si
e enganem-se as batidas.

Que me faça sentir murcha, vazia, enrugada.
Quero um suspiro que me tire de mim de tal modo
que eu sinta que nada tenho a dar a mundo.

E a pressão desse vazio
esmigalhe meus ossos até que virem
cinzas.

E meus olhos saltem
das maçãs murchas do rosto
secas

E faça engolir a língua,
implodir os dentes e
calar a fala.

Os ossos da coluna
espremam a medula
imóvel.

Que me
sucumba.

Em pó.

12 dezembro 2006

De casa nova.


Tenho uns muitos assuntos na cabeça sobre os quais quero escrever. Isso é raro, normalmente esse pedaço em branco me dá pânicos de silêncio e eu fico alguns bons momentos iniciando e reiniciando frases até achar um assunto que me desafogue. Acredite, o pânico da falta de palavras é assustador pra quem fala demais. Hoje não, começo e recomeço frases por excesso de assuntos e nenhuma habilidade de escolher um. O clichê "não sei bem por onde começar". Que aliás são hoje minha tradução, tanto o clichê quanto as aspas. Me sinto hoje a repetição de mim mesma.
Finalmente tenho casa. De novo. Casa sim porque não posso me chamar de lar. Nem bem de casa. Tenho um quarto em que minhas coisas estão jogadas de um jeito que não sei bem qual é. Apesar do meu grande esforço de organizar peça por peça, meus lugares não fazem sentido. A sensação é do começo de uma desordem organizada que não sei bem em que vai dar. E aí me perco no meu próprio quarto, procurando cada peça. Estranho se perder em 6 metros quadrados de 1,70m de altura. Provavelmente as peças estão mesmo fora de lugar.
Sensações de desesperos momentaneos. Esse quarto não tem espelho. Na tentativa de reorganizar essa desordem e a sensação de não achar a primeira peça de um quebra cabeças. Um quebra cabeças que não tem imagem de referência, nem peças similares, nem dá pra dividir por cor. Um quebra cabeças desforme e abstrato. Meu quarto está assim. Um quebra cabeças desforme e eu ainda não consegui me montar.
Esse quarto não tem espelho.
Ainda assim é um quarto e sou meu. Recomeçando outra frase, mudando uma peça qualquer de lugar, sabendo que é o lugar errado e tendo a ilusão de que é melhor ser um lugar errado pra peças velhas que não ser lugar nenhum. Ainda acho que uma hora eu perco algumas peças, reponho outras, compro mobília nova, brinco de decoração fecho os olhos e me sinto lar.

04 dezembro 2006

Daquilo que se propaga no vácuo.


Não tenho muito outro assunto que não as saudades. Eu não sou viciada em melancolia. Tampouco sou dessas pessoas adictas do choro diário, da tristeza pra encher a alma. Não tenho a sensibilidade dos poetas que vivem dos sentimentos afogados. Não preciso suprir nenhum vazio com sentimentos quaisquer. Mas caminha comigo um vácuo no peito que engole o coração, esvazia o pulmão e sobe até as fossas nazais. Um vácuo tão grande e intenso que faz o ar não entrar, expulsa as lágrimas dos olhos e o sangue das maçãs do rosto. E fico assim, atônita, imóvel e pálida.
Estou imune aos sons da cidade, às músicas das noites, aos sorrisos estranhos e à simpatia gratuita e alheia. Não percebo os sentidos de qualquer conversa jogada fora com um ilustre desconhecido a quem chamamos de amigo exatamente pela falta deles. Esses sons aparentemente não reverberam em meu vácuo.
Meu vácuo se alimenta de memórias. Lembranças daquelas conversas que se tem com os olhos, sem necessidade de nenhuma palavra. Lembrança da sensação de estar seguro só pela presença de um outro. Da maneira com que um abraço pode apaziguar uma alma inteira de aflições. Da forma como soa em minha cabeça um apelido qualquer desses que só existem entre nós dois, quem quer que seja o segundo. De poder falar sem nexo e fazer sentido. Da certeza de que antes de pensar em cair já haveriam doze braços diferentes esperando pra me segurar. De admirar por horas o nada e na troca de três palavras fazer o nada virar tudo. Das intermináveis discussões que ninguém se lembra no dia seguinte. Das voltas em Original embriaguez. Dos sonhos partilhados, realizados ou não. Das nossas diferenças e das nossas igualdades. Da nossa maneira similar e distinta de ver o mundo. Das risadas. O som diferente de cada uma das suas risadas. Os motivos infames de todas elas.
Os ruídos dessas memórias são a única coisa que reverberam nesse vácuo. Incrível a fonte de minha tristeza ser a fonte de minha felicidade. Paradoxo. Como somos nós. Porque meu vácuo nasce das saudades que sinto dos irmãos que escolhi com a alma. E se enche e deixa de ser vácuo em cada pensamento que me leva pro seu lado. E o mundo todo só faz sentido se puder carregar comigo na mochila a certeza de que posso, mesmo de longe, dividi-lo com vocês.


"- Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela á agora única no mundo.
...
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa..."

01 dezembro 2006

De mau gosto

Fiquem longe dos bons costumes
Ofendam o bom gosto
Denigram a boa imagem
Afastem o bom senso
Subtraiam os bons modos
Emancipem-se.

30 novembro 2006

Em círculos

Acho que temos vivido no século errado. Cada vez mais acho que vestiram o século XIX de XXI e estão tentando que a gente compre. Assim mesmo, na cara dura. Trocaram as palavras mas não mudaram os conceitos.

Pensando nos nossos governos latino americanos do século XIX: ditaduras de elite que prometem o progresso e com o pretexto de manter a ordem sufocam a liberdade de qualquer cidadão que não seja "liberal e positivista".

E hoje temos: democracias de elite (?) que prometem o desenvolvimento (?) e com o pretexto de manter a paz (?) sufocam liberdade de qualquer cidadão que não seja "neo-liberal e otimista"(?).

Se a democracia é de elite ela é democracia? Se o desenvolvimento é só econômico e não emancipatório, ele não é só progresso? Se a paz não é verdadeira ela não é só ordem? Estamos em paz? Ou em ordem? Neo-liberal e otimista não é contraditório em si mesmo?

Pensando bem, o tempo anda em círculos e essa idéia de progresso linear positivista é coisa do passado.

29 novembro 2006

Cem anos de solidão

Hoje acabei meu livro que me acompanhava na minha tão falada solidão. Engraçado ter a solidão acompanhada pelo livro que conta a história de uma estirpe fadada a solidão. Engraçado também que a cada dia que passa a solidão me parece menos triste, ou ainda, me parece tão triste como qualquer realidade. Provavelmente muito influenciada por esses Cem Anos de Solidão, mas esta me parece condição de existência única do homem. Viver em sua própria solidão, enclausurado em sua própria ensimesmice. E é por ser condição de existência que passei a achar a solidão menos triste. Ou talvez tenha me preocupado menos com ela por estar muito dada as graças da vida. A que na verdade esse texto se dedica.
Sim porque eu em minha solidão tenho andado apaixonada pelos dias, pelas noites, pelo mundo e pela vida. A vida tem me concedido muitas de suas graças e eu tenho me deixado levar nas fantasias dessas mágicas. Que sejam artíficios de feiticeiros tolos, não me importo. Resolvi olhar com os olhos de criança, que acredita em qualquer truque de baralho, as graças da vida. E tenho me espantado mais com os pequenos truques que com os grandes números.

Estes dias me peguei rindo pela mágica de estar lendo Cem Anos de Solidão nesse exato momento. Um livro que sempre esteve comigo, que é um dos obrigatórios ao mundo e eu resolvo começar a lê-lo dentro de um avião que me levava para essa jornada de solidão e enclausuramento em mim mesma enquanto me abro pro mundo. De repente a solidão vira meu assunto recorrente, primeiramente motivo de minha angústia, e pela ironia da leitura, virou motivo de minha paz.

Se isso ainda te parece algum pequeno truque de mágico que comprou seu kit na 25 de março, eu continuo com termos práticos, talvez mais fadados a provas reais.

O livro retrata em uma realidade fantástica a história da Colômbia, ou se preferirem, da maior parte dos paísos latino-americanos em seus períodos coloniais, das ditaduras liberais, da exploração estrangeira... E eu estou aqui fazendo um mestrado em Estudos Latino Americanos, cujas matérias nas últimas 2 semanas (período de intensa leitura do livro) foram a história da Guatemala e do México exatamente no mesmo período. Eu li em realidade fantástica tudo o que os chatos textos de chatos estoriadores tentavam me contar em sua realidade crua. Eu nesses tempos de fantasia tenho preferido as realidades fantásticas. E agradeço a vida pela minha.

Se termos práticos não te convencem você é dos meus, que prefere realidades fantásticas. Mas o que te falta? Ainda te parece magia de mágico de circo falido? Eu apresento meu último e mais forte argumento.

Eu estou amando. E amando em solidão. Porque nada pode ser mais sozinho que amar de longe. E tive a graça de ler ontem, no já citado livro, provavelmente a única definição de amor em que fui capaz de acreditar. Porque até ontem acreditava ser impossível definir em termos de razão , com pensamento estruturado, o amor.

"Ambos evocavam agora como um estorvo as farras desatinadas, a riqueza aparatosa e a fornicação sem freios, e se lamentavam de quanta vida lhes custara encontrar o paraíso da solidão partilhada."

Se a solidão é condição de existência, o que poderia ser o amor se não o paraíso da solidão partilhada. E que tenho eu mesmo de longe, se não esse paraíso?

E se isso não te convenceu da magia da vida, te empresto meus olhos de criança encantada, minha ingenuidade que parece bobeira e meu desprendimento que pode se definir em loucura, ou talvez demencia. Te empresto os olhos frente aos quais a beleza de Madrid parece tolice frente a essa graciosidade da vida.

22 novembro 2006

O estágio do espelho.

Ando só. Não é segredo. E não, não estou falando da solidão que clamam os romanticos de não poderem respirar pela falta do bem amado. Não falo da solidão da perda de um ente querido. Menos ainda falo da solidão do enclausuramento, a solidão dos eremitas. Falo da solidão que se sente no meio do povo, frente a gente, escutando vozes, sorrindo e sendo sorrido. A solidão que vem acompanhada de dois beijos nas bochechas, um abraço distante e alguns tapinhas nas costas. A solidão que surge no meio de qualquer conversa cotidiana medíocre. Tampouco tinha a pretensão de não estar só. Isolada do mundo que conheço por nada menos que um oceano, só poderia estar só. Sempre fui um pouco só a bem da verdade, por umas características que alguns teimam de chamar de especial e eu bem aprendi que se resumem em uma palavra:bizarras.
Não nego minha estirpe, o problema de minha solidão é que não posso mais falar o que gosto e às vezes ouvir o que desgosto. Ultimamente só falo o que desgosto e ouço o que gosto, não por gosto apaixonado, mas porque aos bons dias, boas noites e como vai você fomos ensinados a gostar desde que viramos gente. Por isso tenho buscado amigos. Uns me enfiaram goela abaixo. São quinhentas páginas de companhia por semana. Mas quem quer companhia obrigada? Então tenho desenvolvido uma nova técnica e tenho conversado com o espelho. Não tenho vergonha do ato desesperado e ridículo. Nem mais dos vizinhos ou companheiras de apartamento que já me olham com olhares estranhos a mais essa bizarrice.
Ao espelho digo o que quero, converso sobre o que gosto e berro o que não gosto. Ao espelho xingo e em resposta sou xingada. Meu espelho não é educado, não diz bom dia a contra gosto e quando não quer não pergunta a onde vou. De vingança por muitas vezes já me deixou sair sem o menor aprumo de casa. Ultimamente meu espelho anda assim, vingativo.Meu espelho anda me respondendo muito o que não quero ouvir, tem colocado os dedos veementemente a frente dos meus olhos e quando eu insisto em não concordar comigo, meu espelho tem partido para a violência torturante de me ignorar.
E eu deixo de falar comigo.
E eu volto a me sentir só.


O estágio do espelho.
Imagem: Girl before a mirror. Pablo Picasso, 1932

21 novembro 2006

Suspiros por trás de janelas


Um dia desses fui conhecer El Rastro. El Rastro é uma feira, ou um mercado de pulgas, ou uma 25 de março charmosa, ou um camelodromo com algum encantamento europeu, que fica no centro de Madrid. É lindo, cheio, aconchegante, curioso. Divertido. Encantador o tal mercado. Tem de tudo, de utensilios de eletricidade (adaptadores de tomadas, extensões), a pregadores, a roupas e antiguidades. Tem artistas de rua de todas as nacionalidades cantando e dançando pelas ruas, tem turistas de qualquer lugar do mundo encantado com qualquer quinquilharia, teve um grupo hare krishna atravessando a feira com seus insensos e batuques. Tem roupas estranhas, tem móveis antigos, artigos de segunda mão. Tudo. Mas a primeira barraca em que fiquei muito entretida foi uma de chapéus. Sim chapéus: boinas, gorros, de veludo, chadrez, colorido, como quisesse. Fiquei mais de dez minutos experimentando chapéus. Primeiro em uma barraca, depois em outra... experimentando os chapéus e os olhares de reprovação das pessoas. Por fim comprei um chapéu, lindo, vinho com um chadrez em bege, enfim, meu primeiro elemento espanhol.

Dali continuamso andando por algumas horas pelo mercado, até que chegamos à Plaza Mayor. É uma praça histórica de Madrid, que é indescritível e eu por problemas com a bateria não pude tirar fotos. A praça é circundada por pequenos arcos, como pórticos, os prédios do centro todos são muito antigos. Sabe a imagem de prédios baixos, meio coloridos, cheio de janelas... em cada janela uma vida diferente atrás. Atrás de cada arco uma rua estreita, com prédios antigos e coloridos dos dois lados, também cheia de gente a circular, também cheia de janelas com vidas e olhos atras de cada uma. Em cada escadaria uma aglomeração de tudo: artistas de rua, pessoas sentadas no meio da praça (se chama praça mas não tem árvores, é um grande círculo de cimento com uma estátua no centro circundada pelos portais em forma de arco e os prédios), pessoas lendo, pessoas comendo, pessoas deitadas sobre algum tipo de lenço... Vida por todos os lados. Uma das coisas mais lindas que já vi na vida. Me senti em casa na Plaza Mayor, mesmo que hoje ela vá se transformando um tanto para turistas, com bares que parecem muito tradicionais e não são, mas outros que parecem muito tradicionais e são. (Tomei um vinho em um bar que tem o mesmo dono o mesmo tamanho e a mesma descrição há 70 anos). Impossível não se emocionar com a idéia de respirar o passado e viver o futuro. Eu respirando meu passado, meus valores, aquilo que me faz eu, pra viver futuros. Aquele transito todo de gente, a mudança toda, sem mudar o que tinha de maior: a praça é a mesma desde sua fundação por algum rei, por algum motivo. Impossível não sonhar acordada pensando em devaneios na vida por trás de cada olho, de cada janela, de cada chapéu, de cada barraca.

Imagem: M.C.Escher, Balcony, 1945

A história é contada pelos vencedores.

Estava programada para colocar hoje por aqui as minhas primeiras impressões dessa cidade que me acolhe (¿?) nos últimos 10 dias e prováveis próximos 2 anos, mas um fato ocorrido me chamou a atenção e me fez refletir por algumas horas do dia. Então, será um dia com dois posts.

Estava na aula sobre a história da Guatemala no século XIX, ouvindo atentamente sobre o processo de colonização, a questão indígena, a questão da terra, a independência liberal e positivista, os 36 anos de guerra vividos por essa nação e muitos outros aspectos que eu, na minha ignorância de brasileiro esquecido de ser latino americano, desconhecia. Tomando conhecimento da condição guatemalteca nada me chamou mais atenção do que uma frase durante toda a exposição da professora.

A Guatemala teve sua primeira faculdade de humanidades aberta em 1945, um dos primeiros e principais livros de história da época colonial escrito por um historiador guatemalteco foi publicado na década de 1970 (La Patria del Criollo, Severo Martínez Peláez) e até hoje no ensino que, pelo que entendi, equivale ao nosso fundamental, as crianças não têm aulas de história e sim de estudos sociais.

Por maior que seja o meu interesse acadêmico a questão que me chama atenção é menos a não elevação da história e humanidades à categoria reconhecida de ciência até o ano de 1945 e mais o vazio de pensar em uma nação que só pode escrever sua história, dentro de seu país, por guatemaltecos, 124 anos depois de proclamar sua independência. Não te parece assustador?

A mim espanta. Nunca senti tão perversa a idéia de que a história é contada apenas pelos vencedores. É a história que dá a um povo a percepção de nação, mais que isso é através da história do país que se constrói a identidade do povo (se é que podemos falar em identidade de um povo). Pensar em um país que não tem aulas de história no ensino fundamental não é só pensar em uma política pública de despolitização de um povo, o que já é cruel e mereceria algumas muitas páginas de reflexão. É pensar em privar uma nação de sua própria vida, de sua cultura, de seu modo de agir. É aceitar anos de colonização e exploração e contar a história sob a perspectiva do colonizador, sem fazer contrapontos. É privar as crianças e jovens de conhecer seu passado e pior privá-los de ferramentas para construir outro futuro. É, de forma institucionalizada, condicionar uma nação ao não questionamento, à não reflexão sobre sua condição, é tirar da boca os questionamentos e tirar das almas as revoltas.

Não quero ser ingenua a ponto de acreditar que o conhecimento só se dá em sala de aula, não se assustem com as emoções das frases anteriores. Não quero aqui dizer que o povo da Guatemala jamais questionou a sua história, impossível dizer isso de um povo que está há 36 anos em guerra. O que me aterroriza é a postura do Estado, as políticas públicas de educação e o papel da escola no processo de formação dessa nação. O que me assusta é a maneira com que se institucionalizou nas escolas a ignorância de um povo sobre si mesmo e a perversidade humana que existe nisso.

Duas questões mais para reflexão:
- O que pensar de El Salvador que teve sua primeira faculdade de humanidades formada há 3 anos?
- E o que pensar do Brasil?

20 novembro 2006

Me perdoem de antemão. Esse espaço, não tem pretensões literárias, aliás, não tem pretensão nenhuma. Meu dom com as palavras é apenas didático, funcional. Palavras servem para mim como instrumento: instrumento de contar, de pensar, de argumentar, de transmitir... e só. Sou só comunicadora, por formação.

Não tenho o dom do encantamento, de iludir, de emocionar... Não tenho o dom dos grandes homens com as palavras, esse dom de elucidar (literalmente, no sentido de trazer luz) a quem lê.... Então esse espaço sem pretensões, sem grandes palavras, sem grandes gestos, sem grandes nadas é só minha forma de lidar com outra realidade do mundo, a minha.