22 fevereiro 2007

Cálice

Vim pra escutar, não pela falta do que dizer, mas pelo excesso do que calar.
Calo não pelo medo do efeito, mas pelo receio das causas.
Calo tudo que vem dos meus lados escondidos.
Calo tudo.
Calo tudo que possa manter o que vem.
Calo tudo.
Calo tudo que...
Calo tudo.
Faço do silêncio minha revolta.
Faço do silêncio minha mudança.
Faço do silêncio minha voz.


"Afasta de mim esse cálice..."
Chico Buarque

Solidar.

Hoje li por vias de alguém uma definição de solidão que pelo tanto que me cabe me sinto compelida a repetir. Solidão não é falta de companhia, que isso é carência, não é a falta de quem está longe que isso é saudades. Só está aquele que perdeu a própria alma em algum lugar do caminho e assim segue pelo mundo vazio. Só é aquele que é só de si mesmo. Cansada de verso e prosa que estou, só posso dizer que concordo e estou traduzida nisso. Só é aquele que é só de si mesmo, que me deixei de fazer boa companhia faz tempo.

14 fevereiro 2007

Procura-se

Busco aquilo que perdi entre a chegada e saída de qualquer momento que não sei bem qual foi. Busco os princípios passivos, os valores desagregados e desaparecidos, busco os meus direitos não humanos e meus deveres não civis. Busco os olhos altivos abertos e negros, dias não sonolentos e ensolarados. Busco a dureza infantil, a vivencia dos pequenos e a alegria dos palhaços. Busco caber-me em metro e setenta. Busco meu negativo fotográfico, que me parece minha versão mais positiva. Busco o contrário do amor comum em sua maior afirmativa. Busco o contrário. Busco o contrário do amor. Busco sua maior afirmativa.


"...Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim?..."
Milton Nascimento

12 fevereiro 2007

Não estar

Queria hoje escrever de novo sobre saudades. Queria escrever sobre como estou não existindo, ou como queria não ser, ou qualquer crise existencial pequena e egoísta das muitas que já escrevi aqui. Não estou.
Escrevo sim da falta, de não estar, mas não da minha perspectiva. Eu não estive para alguéns nessa semana. Não havia o que fazer, nem para onde correr. Não havia melhor circunstancia, mudança de ato, nada que remediasse o meu não estar. A não ser que eu não estivesse aqui. Faltei a alguéns que são mais importantes que minha vida, que minhas horas, que meus sorrisos. Faltei a alguéns em um momento difícil, a morte, que mesmo a já aceita e concebida, é um momento difícil. E faltei a alguéns no provável momento mais feliz de sua vida, e não a vi entrar de branco com seus sorrisos e olhos enlagrimados.Faltei a alguéns involuntariamente e pior, contra minha vontade mental e física, faltei pela impossibilidade de estar. Não é culpa, nem auto flagelação mas eu não estive. Queria estar, busquei estar mentalmente, espiritualmente, ainda que a presença física me fosse impossível.
E senti falta de estar ao lado, segurando a onda, ou o buquê. Senti falta de estar com você te vendo de branco ou nos vendo de negro. Senti falta de amparar seus choros. Senti falta de ser o ombro. E senti mal por que sei que sentiram falta de mim. (sem presunções mas sei das amizades das quais se sentem falta).
Esse é um post pra que fique claro que me importo, que queriaestar e que não quero não estar, então por favor entendam, eu só estive de outra maneira.

10 fevereiro 2007

Desbaratinos

- Hoje comecei pela vigésima vez minha vida a campanha "pare de roer unhas". Definitivamente acho que a unha tem alguma substância altamente aditiva, pior que a nicotina, porque já vi uma série de amigos pararem de fumar, mas eu não paro de roer unhas. Ou me internem, é algum problema psicológico grave.

- Hoje um senhor me "reganhou" (acreditem se quiser é a palavra em espanhol para dar um esporro.... esporro, reganhar, não está tão longe rs...) porque o jornal que distribuo é de esquerda. Detalhe, eu nem sabia, mas fiquei feliz. Coisa de doido ficar feliz por ser "reganhado" não?

- Além do senhor ninguém mais foi visitar meu stand... fiquei três horas parada, em paz, rezando e repetindo orações enquanto fazia meus passarinhos de papel (origami). Talvez, as pessoas poucas que estavam na universidade num dia de chuva e sol me acharam extremamente maluca e não me visitaram por isso.

- Tenho andado pensando demais. Não faz bem. Reflito até sobre o jeito que vou dizer obrigado. Acho que estou ficando neurótica. Tão neurótica que já me preocupo com a neurose de me achar neurótica. Ou vocês não se deram conta que em todos os parágrafos eu, no final, conto que acho que estou ficando neurótica?

04 fevereiro 2007

Enodeada.

Tenho um nó no meio do estômago, na boca do estômago, na garganta. Estou feita em nós. Um em cada lado. Tão intruncados, tão cegos que não acho meu caminho de mim mesma entre tantos tropeços. Me pareço para mim mesma em oito, ou em oitenta, de uma forma tão confusa que não consigo encontrar a ponta do fio que os desata. E quanto mais busco, ou quanto mais passa o tempo, ganho mais nós sem desatar nenhum dos outros. Caibo hoje numa caixa de fósforo.

Está tudo tão em nós que nem o texto me corre sem tropeços e o texto me sai sem sentidos e o texto que costuma ser um desatador de nós me parece que hoje não terá utilidade.

desabafo inútil.

fim.

03 fevereiro 2007

Da arte de gostar de errar

Tenho andado entre odiar e amar o humano. De fato hoje creio mais que amo que odeio. Gosto do humano, de ser humano, literalmente.

Gosto das imperfeições, das falhas, das burrices. Gosto da teimosia, da fraqueza, da lucidez e da inconsciência. Gosto da coisa mais humana, que é a capacidade de errar. Definitivamente gosto dos meus erros. Gosto do jeito triste, doído, arrependido que fico depois de cada um deles. E gosto porque nesses momentos sou capaz de me comprometer comigo mesma. Gosto do jeito que acordo mudada depois de um erro, ou dois, ou três... Gosto do dia depois do erro. De ficar sentanda olhando pro nada revivendo cada momento para descobrir onde poderia ter sido diferente. Gosto de reinventar a mesma história cem vezes até que dela suma o tal erro. Gosto de esperar o tempo passar pra esquecer que aconteceu. Gosto das inúmeras tentativas inúteis de não cometer o mesmo erro duas vezes. Gosto. Gosto da minha humanidade. Da minha capacidade de ser medíocre, humana, gente.Gosto.

Ou será que estou tentando me convencer pra fazer o dia de hoje passar?

02 fevereiro 2007

Satyagraha

Terminei de ler "Desobediência Civil y otras propuestas" e tive algum tempo para refletir a leitura, que é recente, logo quaquer reflexão se torna um pouco pretenciosa, ainda assim, o assunto para mim não é assim tão novo e tenho me perturbado tanto com a leitura que deixo aqui meu desabafo.

Sem pretensão de correr o livro inteiro, devo dizer que os pensamentos de Thoureau te fazem questionar qualquer atitude diária. Não se submeter a um Estado e um estado com os quais você não concorda, resistir sem violentar, resistir por coerência aos seus princípios. E a continuidade ler reflexões sobre Gandhi, uma dele mesmo, uma do Mandella e outra doLuther King, só podem ser perturbadoras.

Gandhi dizia que a não violência é igual sim à buscar maneiras pacíficas de agir, o que não tem nada a ver com pacividade e por isso refutou o nome de resistência pacífica à sua prática. Satyagraha. É a palavra escolhida. Segundo ele mesmo, singifica "insistencia na verdade".É a combinação de satya (verdade) com ahimsa (amor). "Em sua essência nada mais é que a introdução da verdade e da delicadeza no político, ou seja, na vida nacional". Eu me contento por hora em tentar faze-lo na minha vida pessoal. Uma transformação de atitude que requer muita força interior, muita sensibilidade e muita força de vontade. Requer persistência, insistência e humildade. A humildade de estar ciente de que haverão mais falhas que conquistas nesse caminho.

Como indivíduo a prática do Satyagraha significa (palavras de Gandhi):
- O Satyagrahi, ou seja, o resistente civil, não albergará ira.
- Sofrerá a ira do oponente.
- Ao faze-lo suportorá os ataques do oponente, não contra atacará, mas tampouco se submeterá, nem por medo ao castigo ou o que seja, a qualquer ordem compartida com ira.
- Quando qualquer pessoa com autoridade procure prender a um resistente civil, este se submeterá voluntariamente à prisão, não se oporá a ser detido ou privado de coisas de sua propriedade, se haja alguma, quando sejam requeridas para confisco pelas autoridades.
- Se algum resistente civil tem como possessão coisas confiadas a ele, se negará a render-se, ainda que nessa defesa possa perder sua vida. Não obstante, jamais agirá em represália.
- Não agir em represália inclui não blasfemar ou maldizer.
- Em consequência, um resistente civil nunca insultará a seu oponente e agirá de forma que seja contra o ahimsa (amor).
- No curso da luta, se alguém insulta a um oficial ou comete um ataque físico contra ele o resistente civil protegerá a tal oficial do ataque ainda que arriscando sua própria vida.

Gandhi ainda dizia que o amor ao ser humano deve ser igual a todos os seres humanos e por isso abdicou de amar só a sua mulher ou de prevalecer de qualquer maneira sua mulher e filhos sobre outros seres humanos. Eu queria poder compreender esse nível de amor.

Mas naquilo que posso, me declaro a partir de hoje satygrahi ao mundo. E pretendo resistir como tal. Sabendo de minhas limitações. E me declaro em busca da prática do Satyagraha, "insistência na verdade" (vale ressaltar que para Gandhi Deus é a verdade), a mistura de verdade e amor. A resistência aos sentimentos contra o ahimsa, a prática da paz diária. Na busca de compreender o amor em um nível que eu acredito que a maior parte dos homens não conhecem. E não me declaro mais lúcida que qualquer homem comum, ignoro, creio, esse amor. Só me coloco a disposição de sua busca.

Ainda sobre o tempo

Meu computador voltou a casa e com ele voltam os posts. Devo dizer que desejo cortar meu novo vício (pelo menos em percepção que em hábito faz tempo), a internet. Senti falta do meu computador e tenho entrado em reflexões sobre o desapego...

Estou trabalhando temporariamente por aqui. O emprego menos pretencioso e menos trabalhoso e ainda, menos intelectual que já tive na vida. Entrego jornais em um stand na universidade. Técnicamente descrito por: chego as 3, abro o stand, coloco uma pilha de jornais sobre o stand, retiro o banquinho, fecho o stand. Coloco a lista dos alunos designados a receber o jornal sobre o stand. Sento no banquinho, começo a ler meu livro, ou o jornal, até que alguém venha buscar um jornal. Pergunto: Estas apuntado? normalmente a resposta é não. - Perdón, no puedo entregarlo ahora. Pero si vuelves a las 6 la sobra estará disponible. Gracias. Volto a ler. Ou, se a resposta é sim: Por favor digame tu apellido. Busco o nome na lista, marco, entrego o jornal, volto a ler. Às 6 devolvo o banquinho pra dentro do stand, coloco mais jornais sobre o mesmo e as sobras ao seu lado. Fecho o stand, vou embora.
Incrível a estranheza que me causa. Por dois aspectos, o primerio é que nunca imaginei que estaria ganhando para tão pouco. A maior estranheza porém está na maneira com que tenho sentido esse tempo muito bem aproveitado. E não, não é porque no fim do mês eu vou ter um respirinho pro pouco dinheiro que tem me mantido.
Primeiro, tenho tempo pra ler e não existe muito outra coisa que eu possa fazer. Que delícia ter essa obrigação pra passar o tempo, que ainda mais delícia fazer isso enquanto trabalho rs... Em três dias terminei o livro que estava pendurado a terminar.
Segunda e mais importante estranheza, eu, definitivamente, amo pessoas... Ontem conheci uma senhora que está na universidade no programa para a terceira idade do governo. Uma espanhola simpática (sim é raro), que sabia falar português e que tinha um amor estranho pelo Brasil, tendo ido só uma vez ao Rio de Janeiro e ficado no meio de um tiroteio... Acho que foram os melhores 10 ou 15 mintuos da semana. Hoje torci pra senhora Elizabeth voltar a buscar o jornal, mas ela não foi... tenho 2 meses pra reencontrá-la ainda.
Amo até as pessoas que são detestáveis sem nenhum pretexto. Esse é um trabalho que me obriga a dizer não e é incrível como as pessoas não sabem a reagir a um não, nem que seja tão bobo quanto: perdona, no puedo entregarte el periodico ahora si no estas apuntado. Vuelva a las 6 y te lo entrego. Uma senhora fez uma séria reclamação sobre a minha hipocrisia em entregar os jornais a quem não está designado depois das 6. Passou 5 minutos inteiros enervada dando me uma lição de moral fervorosa sobre a hipocrisia da política de entregas do jornal. E pela primeira vez eu, em cargo de nenhuma responsabilidade, tive o prazer de responder: senhora, compreendo sua aflição, te peço que por favor envie um email ao jornal com suas observações pra que elas possam ser atendidas.
Me apaixonei pela indigação da tal senhora, me diverti com tantos nervos para pouco e quase lhe dei o jornal de presente só por ter alegrado meu dia.
De qualquer maneira, tenho sentido essas 3 horas como tempo valioso da semana. Para ler, para entender de gentes e para entender de mim.

Desculpem a trivialidade do post, ando dada a trivialidades por motivos próprios de fugir das questões difíceis que tenho a responder.