28 março 2007

Deus ajuda quem cedo madruga.

Hoje, pela primeira vez em 20 dias acordo cedo, de fato a tempo de chegar à aula no horário. Saio de casa a tempo. Pego o metrô, o trem, com calma, sem pressa, quase um milagre. Vou chegar com 10 minutos de antecedência à aula. E cheguei. Às 9:50. Entrei na sala, sentei com uma música qualquer nos ouvidos e esperei.
Esperei.
Esperei.
Às 10:10 eu, pessoa ansiosa, concluo que há algo errado e decido correr para checar se estou no horário correto e no lugar correto. No fim, descubro o óbvio. No único dia em que chego cedo à aula, não há aula.
Agradeço à Deus por livrar-me dos diálogos de antes e depois. Vou ao gramado, com sol e finjo começar a ler...

Silêncio


Tenho andado em silêncio , ou naquilo que, para alguém que muito fala como eu, pode ser considerado silêncio. Silêncio te tira de uma solidão fingida do mundo e te coloca com a solidão de estar em si mesmo. Não leio, não durmo, não vejo tv, escuto música e divago.... passo horas do dia em estado de total autismo pessoal, eleito e proposital. Sentada nos gramados, baixo a um sol ainda meio fraco da primavera que mal começou. Divago. Olhos em ponto fixo, ouvidos abstraindo, boca fechada. Divago, quase não escuto a música, quase não vejo o mundo. Me tranfiro a lugares que na volta já não sei mais quais são.
Meus ouvidos estão mais apurados e seletivos. Escuto todos os ruídos e agora já transformo vozes e diálogos inteiros em canções, ao final das conversas, hein? Não me perguntem, eu não vou responder, prestava atenção em quantas vezes a voz desafina até o mais agudo e volta. Indefini as palavras, que é minha forma de silêncio.
Chego 10 minutos atrasada em todos os compromissos, saio 10 minutos mais cedo e evito consequentemente todas as conversas vazias dos antes e depois. Dou um sorriso e finjo alguma pressa se encontro algum desconhecido conhecido pelos corredores. Prefiro os bares com música ao vivo aos cafés.
Não, não é total desinteresse por pessoas, não é preguiça da mesmice das gentes, não é evitar o inevitável. (?)

Imagen: Muchacha en la ventana, Salvador Dalí, 1925

23 março 2007

Escre-ver-te

Queria escre-ver-te em tuas palavras,
com teus versos e teus respiros,
teus olhos e teus suspiros.
Queria escre-ver-te de dentro de tua pele,
com teu sangue correndo em minhas veias,
com tua febre em minhas artérias.
Queria escre-ver-te calçando teus sapatos,
vestindo tuas roupas,
usando teu perfume.
Mas teu perfume não me veste
tuas roupas não me servem,
teus sapatos me apertam.
Tua febre não me arde,
tua pele não me cabe,
e teu sangue hoje é incompatível com o meu.
Não tenho teus olhos,
não respiro teu ar,
não suspiro teu hálito.
Tuas palavras não me saem
e os teus versos não são meus.

Escrevejote então por baixo de pálpebras que já quase não levantam,
de olhos que já quase não vêem,
de pulmões que já quase não respiram.
Escrevejote do desespero do meu diafragma
e das contrações últimas do meu ventre.
Escrevejote do último suspiro,
da nossa extrema unção,
da última comunhão.
Escrevejote em uma única palavra,
aDeus.

22 março 2007

"Colo e cafuné" também não tem tradução

Desde pequenininho a gente aprende que saudades é a única expressão do português que não tem tradução. Ledo engano. Descobri recentemente que "colo e cafuné" também não tem.
Para falar "colo e cafuné" em espanhol teria que dizer o equivalente a parte superior da coxa e carícias no cabelo. Por exemplo, "Eu quero colo e cafuné" teria a tradução em: "eu quero deitar sobre a sua perna (ou coxa) e ganhar carícias nos cabelos" que definitivamente não é a mesma coisa. Verdade, se poderia ensinar... mas acho que nunca aprenderiam, como nunca entendem que saudades não é o mesmo que sentir falta...
Acho que nunca entenderiam a cumplicidade existente em "colo e cafuné". Ou a intimidade da troca de olhares do protegido e o protetor. Provável que nunca entendam que existe um protegido e um protetor. Que em "colo e cafuné" existe um silêncio implicito, algumas lágrimas escondidas que caem dos olhos virados ao outro lado. Que "colo e cafuné" também quer dizer confiança, responsabilidade. Às vezes quer dizer também segredo, apoio, quer dizer estar ali. Presente, junto, parando o mundo por aquele segundo. Segundo de "colo e cafuné".

21 março 2007

Quartas - feiras

Às oito acorda às oito e dez levanta às oito e doze se banha às oito e meia come, às quinze pras nove sai às cinco pras nove pega o metrô às nove e dez pega o trem às vinte pras dez chega às dez tem aula até à uma à uma tem aula até às duas e meia às duas e meia trabalha até às seis e às quatro e meia vai pra aula às dez pras seis deixa a aula ao meio às seis chega ao trabalho e trabalha até às nove às nove e quinze pega o ônibus às quinzes pras dez o metrô às dez chega em casa às dez e um usa o banheiro às dez e cinco cozinha às dez e meia come, às dez pras onze deita. Durante o dia vive (?), durante a noite morre.

11 março 2007

Pelo fim do mundo lírico.

Cansei das lágrimas dos poetas,
das palavras dos sensíveis,
das discussões infindáveis,
das teorias,
das filosofias.

Cansei das metáforas,
especialmente cansei das metáforas,
e de qualquer figura de linguagem que não seja a ironia.
Cansei de diminutivos carinhosos e de superlativos mentirosos.
Cansei de metonímias desregradas e enganosas,
Cansei dos pleonasmos e das aliterações da vida, cotidianos.

Quero de volta meu pragmatismo.
Quero ser direta e clara.
Quero a transparência absoluta.
A não ambiguidade das frases curtas.
A incisão das palavras simples.
Quero o objetivo.
A ironia do objetivo.

09 março 2007

Descomunicação

Falar duas línguas (ou mais) te faz um só favor. Ser mal entendido nas duas.

- Hola, por favor puedes regalarme uno de eses.... mmmmm.... como se llaman? Canudos?
- Que?
- Sí de eses.... mmmm.... (gesto manual de quem segura um canudinho)
- Por Dios que me pides (garçonete vira enfesada e não olha mais a noite inteira)
Depois, no dia seguinte a descoberta incrível: canudo aqui chama pajita.... e canuto aqui é beck....

- Pero mira vos donde me tenés (diz um chico argentino a chica brasileira)...
- Pero yo? Donde te tengo?
- Sí mira donde me tenés vos por Dios
(Chica brasileira segue sem entender como pode ter alguém que conheceu há pouco... chico argentino só queria dizer que la chica esa tinha lhe colocado em uma situação ruim....)

- Porque XXX es muy amigo.... muy amigo.... me gusta muchísimo (diz menina brasileira a amigas de diversas nacionalidades hispano hablantes)
- Pero te gusta o es amigo?
- Los dos claro, es amigo porque me gusta!
(Menina brasileira aprende de uma vez por todas que gustar em espanhol tem a ver com atração física e não só com o fato de achar legal...)

Pra piorar.... outro dia escrevo um texto a um amigo cheio da palavra parece. Parece que sim, parece que ela disse, parece que gosta e mais um milhão de pareces.... tinha esquecido que o parecer em português pode parecer bem irônico... aqui parecer se usa pra tudo... até pra perguntar o que você acha alguém diz: te parece?

enfim, post besta só pra dizer como concretamente eu estou gradualmente perdendo meus dons de comunicação!

05 março 2007

Parece que virou poema

As árvores secas, cinzas e quebradiças começam a voltar ao verde. As cerejeras e amendoeiras dão as primeiras flores da estação. São brancas, pequenas margaridas de cera que deixam suas pétalas voarem nos últimos ventos de inverno. Os dias cinzas se enchem de sol e ainda que os ventos frios gelem a pele e ouricem os pelos é impossível sentir o frio dos dias cinzas invernais que gelam de dentro pra fora, congelando as formas de vida. O céu se põe ao sono em vermelhos, laranjas, amarelos, azuis e roxos impossíveis e não passíveis de descrição ou fotografia. A sensação de estar vivo daquilo que só os olhos presenciais vêem e só a memória (não a da camera) guarda com a intensidade original. Os olhos registram involuntariamente um rio de cores celestes que se fundem a cada segundo em transição por influencia do ir e vir das nuvens. Os ventos gélidos não trazem só o frio, trazem ao rosto as pétalas brancas anunciadoras de vida. Voam em direção aos rostos sorridentes baixo raios de sol que começam a esquentar o corpo. Meus olhos ainda doem da claridade reluzente e nova. Mas doem felizes, que sabem da alegria que vem dessa dor. Dor do renascer de vida. Dor do reluzir de novo. Dor do fim de cinzas. Do fim do inverno. Dor daquilo que parece que virou poema.

Parece que virou poema

O hai kai aí de baixo, parece que virou poema. Pra quem quiser é só olhar nos comentários. Pra quem quiser muito poema, parece que publicaram: http://gutoleite.blogspot.com


Obrigada ao outro autor.

01 março 2007

Gangorra


ele sentado
ela pra cima
ele pra baixo

Associação ou formas de verborragia.

Positivismo, degeneração, genocídio o inmigraciones blanqueadoras, o teorias del exterminio, darwinismo social, spencerismo, espiritualismo, estado-nação, patria, nación y estado, construcción imaginária de identidad, identidad nacional, liberalismo darwinista positivias, neo-liberalismo, neo conservadorismo, cultural rights, human rights, teoria da dependência, pos colonialismo, peronismo, getulismo, intergobernmental cultural cooperation, cooperação internacional, cooperación cultural internacional, cultural studies, mediación, corrupción, izquierda radical, zapatismo, fascismo, imperialismo, terrorismo, cultura do medo, cultura popular, cultura subalterna, cultura hegemônica, intelectual orgânico, hibridación cultural, asimilación cultural, pluralismo cultural, interculturalidad, multiculturalidad, auto reglamentación indígena, indigenismo, iberoamerica, panamerica, latino america, integración, asociación, asimilación, ayuda, ayuda internacional, ayuda internacional al desarrollo, desarrollo en saltos, progreso, no progreso, el contrario del progreso.

Ultimamente qualquer palavra que digo me leva ao vômito de cinco teorias e dezesseis distintos autores. O jogo de associação me parece agora sem graça, aquilo que era simples desencadeio de palavras interligadas se tornou polifonia teórica sem nexo das quais sempre tive horror e repulsa. Academicismo, teoricismo, mania de intelectualidade e pior, intelectualidade vomitada, assimilada e absorvida. Me falta o verbo construção.

Pra continuar aproveitando discursos alheios, segue o desabafo da minha perda em meio a esse vazio tão cheio de palavras.

"Que me perdoe se eu insisto nesse tema,
mas não sei fazer poema ou canção
que fale de outra coisa que não seja o amor.
Se o quadradismo dos meus versos,
vai de encontro aos intelectos,
que não usam o coração como expressão."