21 novembro 2006

A história é contada pelos vencedores.

Estava programada para colocar hoje por aqui as minhas primeiras impressões dessa cidade que me acolhe (¿?) nos últimos 10 dias e prováveis próximos 2 anos, mas um fato ocorrido me chamou a atenção e me fez refletir por algumas horas do dia. Então, será um dia com dois posts.

Estava na aula sobre a história da Guatemala no século XIX, ouvindo atentamente sobre o processo de colonização, a questão indígena, a questão da terra, a independência liberal e positivista, os 36 anos de guerra vividos por essa nação e muitos outros aspectos que eu, na minha ignorância de brasileiro esquecido de ser latino americano, desconhecia. Tomando conhecimento da condição guatemalteca nada me chamou mais atenção do que uma frase durante toda a exposição da professora.

A Guatemala teve sua primeira faculdade de humanidades aberta em 1945, um dos primeiros e principais livros de história da época colonial escrito por um historiador guatemalteco foi publicado na década de 1970 (La Patria del Criollo, Severo Martínez Peláez) e até hoje no ensino que, pelo que entendi, equivale ao nosso fundamental, as crianças não têm aulas de história e sim de estudos sociais.

Por maior que seja o meu interesse acadêmico a questão que me chama atenção é menos a não elevação da história e humanidades à categoria reconhecida de ciência até o ano de 1945 e mais o vazio de pensar em uma nação que só pode escrever sua história, dentro de seu país, por guatemaltecos, 124 anos depois de proclamar sua independência. Não te parece assustador?

A mim espanta. Nunca senti tão perversa a idéia de que a história é contada apenas pelos vencedores. É a história que dá a um povo a percepção de nação, mais que isso é através da história do país que se constrói a identidade do povo (se é que podemos falar em identidade de um povo). Pensar em um país que não tem aulas de história no ensino fundamental não é só pensar em uma política pública de despolitização de um povo, o que já é cruel e mereceria algumas muitas páginas de reflexão. É pensar em privar uma nação de sua própria vida, de sua cultura, de seu modo de agir. É aceitar anos de colonização e exploração e contar a história sob a perspectiva do colonizador, sem fazer contrapontos. É privar as crianças e jovens de conhecer seu passado e pior privá-los de ferramentas para construir outro futuro. É, de forma institucionalizada, condicionar uma nação ao não questionamento, à não reflexão sobre sua condição, é tirar da boca os questionamentos e tirar das almas as revoltas.

Não quero ser ingenua a ponto de acreditar que o conhecimento só se dá em sala de aula, não se assustem com as emoções das frases anteriores. Não quero aqui dizer que o povo da Guatemala jamais questionou a sua história, impossível dizer isso de um povo que está há 36 anos em guerra. O que me aterroriza é a postura do Estado, as políticas públicas de educação e o papel da escola no processo de formação dessa nação. O que me assusta é a maneira com que se institucionalizou nas escolas a ignorância de um povo sobre si mesmo e a perversidade humana que existe nisso.

Duas questões mais para reflexão:
- O que pensar de El Salvador que teve sua primeira faculdade de humanidades formada há 3 anos?
- E o que pensar do Brasil?

Um comentário:

Luiz Orlandini disse...

Brilhante e iluminador. Seu blog acaba de passar à categoria dos "visitados diariamente"! Beijos e boa sorte por aí, manteremos contato!