22 novembro 2006

O estágio do espelho.

Ando só. Não é segredo. E não, não estou falando da solidão que clamam os romanticos de não poderem respirar pela falta do bem amado. Não falo da solidão da perda de um ente querido. Menos ainda falo da solidão do enclausuramento, a solidão dos eremitas. Falo da solidão que se sente no meio do povo, frente a gente, escutando vozes, sorrindo e sendo sorrido. A solidão que vem acompanhada de dois beijos nas bochechas, um abraço distante e alguns tapinhas nas costas. A solidão que surge no meio de qualquer conversa cotidiana medíocre. Tampouco tinha a pretensão de não estar só. Isolada do mundo que conheço por nada menos que um oceano, só poderia estar só. Sempre fui um pouco só a bem da verdade, por umas características que alguns teimam de chamar de especial e eu bem aprendi que se resumem em uma palavra:bizarras.
Não nego minha estirpe, o problema de minha solidão é que não posso mais falar o que gosto e às vezes ouvir o que desgosto. Ultimamente só falo o que desgosto e ouço o que gosto, não por gosto apaixonado, mas porque aos bons dias, boas noites e como vai você fomos ensinados a gostar desde que viramos gente. Por isso tenho buscado amigos. Uns me enfiaram goela abaixo. São quinhentas páginas de companhia por semana. Mas quem quer companhia obrigada? Então tenho desenvolvido uma nova técnica e tenho conversado com o espelho. Não tenho vergonha do ato desesperado e ridículo. Nem mais dos vizinhos ou companheiras de apartamento que já me olham com olhares estranhos a mais essa bizarrice.
Ao espelho digo o que quero, converso sobre o que gosto e berro o que não gosto. Ao espelho xingo e em resposta sou xingada. Meu espelho não é educado, não diz bom dia a contra gosto e quando não quer não pergunta a onde vou. De vingança por muitas vezes já me deixou sair sem o menor aprumo de casa. Ultimamente meu espelho anda assim, vingativo.Meu espelho anda me respondendo muito o que não quero ouvir, tem colocado os dedos veementemente a frente dos meus olhos e quando eu insisto em não concordar comigo, meu espelho tem partido para a violência torturante de me ignorar.
E eu deixo de falar comigo.
E eu volto a me sentir só.


O estágio do espelho.
Imagem: Girl before a mirror. Pablo Picasso, 1932

6 comentários:

Desconjumina disse...

texto bem pinçado.
beijos

Guto Leite disse...

Gostei do texto tb, como sempre, mas preocupado, como sempre... ando tão sempre tanta coisa, rs..., que tenho medo do nunca estar à espreita, e ele está. Muitos beijos!

Luiz Orlandini disse...

Meu Deus, que texto excelente. É como dizem, as coisas inteligentes são ditas por quem sente os sentimentos de verdade. Não há quem faça boa música, ou boa literatura, sem viver de sentimentos. alegria e tristeza, solidão e companhias em profusão são dois lados da mesma moeda! Beijos e boa sorte com suas experiências por aí!

Tati Bertolucci disse...

Agradeço aos elogios de voces. E queria pedir pro Luiz deixar o endereço do blog dele por aqui.

Rê! disse...

so tenho uma coisa a dizer:
chorei quinem idiota!
beijoca...

Bertolocca disse...

e eu só tenho uma coisa a dizer: vcs são idiotas!