Ainda sobre o tempo
Meu computador voltou a casa e com ele voltam os posts. Devo dizer que desejo cortar meu novo vício (pelo menos em percepção que em hábito faz tempo), a internet. Senti falta do meu computador e tenho entrado em reflexões sobre o desapego...
Estou trabalhando temporariamente por aqui. O emprego menos pretencioso e menos trabalhoso e ainda, menos intelectual que já tive na vida. Entrego jornais em um stand na universidade. Técnicamente descrito por: chego as 3, abro o stand, coloco uma pilha de jornais sobre o stand, retiro o banquinho, fecho o stand. Coloco a lista dos alunos designados a receber o jornal sobre o stand. Sento no banquinho, começo a ler meu livro, ou o jornal, até que alguém venha buscar um jornal. Pergunto: Estas apuntado? normalmente a resposta é não. - Perdón, no puedo entregarlo ahora. Pero si vuelves a las 6 la sobra estará disponible. Gracias. Volto a ler. Ou, se a resposta é sim: Por favor digame tu apellido. Busco o nome na lista, marco, entrego o jornal, volto a ler. Às 6 devolvo o banquinho pra dentro do stand, coloco mais jornais sobre o mesmo e as sobras ao seu lado. Fecho o stand, vou embora.
Incrível a estranheza que me causa. Por dois aspectos, o primerio é que nunca imaginei que estaria ganhando para tão pouco. A maior estranheza porém está na maneira com que tenho sentido esse tempo muito bem aproveitado. E não, não é porque no fim do mês eu vou ter um respirinho pro pouco dinheiro que tem me mantido.
Primeiro, tenho tempo pra ler e não existe muito outra coisa que eu possa fazer. Que delícia ter essa obrigação pra passar o tempo, que ainda mais delícia fazer isso enquanto trabalho rs... Em três dias terminei o livro que estava pendurado a terminar.
Segunda e mais importante estranheza, eu, definitivamente, amo pessoas... Ontem conheci uma senhora que está na universidade no programa para a terceira idade do governo. Uma espanhola simpática (sim é raro), que sabia falar português e que tinha um amor estranho pelo Brasil, tendo ido só uma vez ao Rio de Janeiro e ficado no meio de um tiroteio... Acho que foram os melhores 10 ou 15 mintuos da semana. Hoje torci pra senhora Elizabeth voltar a buscar o jornal, mas ela não foi... tenho 2 meses pra reencontrá-la ainda.
Amo até as pessoas que são detestáveis sem nenhum pretexto. Esse é um trabalho que me obriga a dizer não e é incrível como as pessoas não sabem a reagir a um não, nem que seja tão bobo quanto: perdona, no puedo entregarte el periodico ahora si no estas apuntado. Vuelva a las 6 y te lo entrego. Uma senhora fez uma séria reclamação sobre a minha hipocrisia em entregar os jornais a quem não está designado depois das 6. Passou 5 minutos inteiros enervada dando me uma lição de moral fervorosa sobre a hipocrisia da política de entregas do jornal. E pela primeira vez eu, em cargo de nenhuma responsabilidade, tive o prazer de responder: senhora, compreendo sua aflição, te peço que por favor envie um email ao jornal com suas observações pra que elas possam ser atendidas.
Me apaixonei pela indigação da tal senhora, me diverti com tantos nervos para pouco e quase lhe dei o jornal de presente só por ter alegrado meu dia.
De qualquer maneira, tenho sentido essas 3 horas como tempo valioso da semana. Para ler, para entender de gentes e para entender de mim.
Desculpem a trivialidade do post, ando dada a trivialidades por motivos próprios de fugir das questões difíceis que tenho a responder.
Um comentário:
Graças, graças a Deus alguém ainda pensa na trivialidade. Não se desculpe por isso, a riqueza da vida está em notar o que fazemos de estupendo em nosso trivial. Pois lhe conto que, quando cheguei à Ibitinga, e até há bem pouco atrás, o que me chamava a atenção era poder caminhar observando o cotidiano, os idosos dedicados a seus dominós, as irritações nas filas da padaria e assim por diante. Quem não tem tempo de se render a isso, está mais para uma máquina do que para um ser vivo! Beijos e, como sempre, parabéns pelo lindo texto!
Postar um comentário